quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O maior de todos os males



Todos os dias pela manhã, ao sair ao quintal lá de casa, me deparava com aquele homem horrível, ou seja, de aspecto medonho, a barba por fazer, unhas dos pés e das mãos enormes, sujas e mal cuidadas, as roupas velhas que, só de olhar para elas, já cheiravam mal.



Não parava por aí, andava pelo quintal meio trôpego, despertando a um estranho que passasse pela rua, se tratar de um mendigo que invadira a propriedade alheia. Usava uma sandália de tiras, dessas que prendem-se no meio dos dois maiores dedos do pé e que não acompanhava o tamanho da sola, deixando os calcanhares de fora.



Assim era aquele homem, meu vizinho, que todas as manhãs me assustava com seu aspecto. Então me perguntava: "Ao menos deve tomar um banho por dia. será?". Muitas vezes , ao sair pela manhã , fingia estar a concertar algo no carro, para despistando podê-lo ver melhor.



Em uma ocasião, quando fechei a porta de entrada de casa e ia ganhar a rua, logo após entrar no carro, o vi cuidando de uma flores esquisitas plantadas a sua frente. Então como se fosse uma escavadeira, ele enfiava uma das mãos na terra e quando retornava com ela, suas unhas enormes vinham repletas de barro, para logo após suavemente introduzir um novo vegetal à terra molhada. Aquilo tudo me causava um nojo danado. Ali observando-o da janela do meu carro, fiquei hipnotizado com aquela cena. Quando voltei a mim, ele observava-me fixamente, eu perdido e sem graça, continuei sem ação e, ele logo me disse: "Bom dia", em tom alto, porém com muita simpatia. Respondi-lhe desajeitado e com o rosto rubro o bom dia, grudei as mãos no volante, acelerei o carro e me mandei para o trabalho.



Durante muito tempo aquele homem horrível não me saía da memória. Quando minha esposa entrou para o sétimo mês de gestação, desliguei-me de meu vizinho tenebroso em definitivo, pois tive que passar a entrar mais tarde no trabalho e acompanhar minha esposa em seu pré-natal, perdendo o cotidiano daquele jardineiro sujo, não vendo-o mais a enfiar as mãos na terra cuidando de suas plantas.



Certo dia pela manhã , minha esposa deu sinais que daria a luz muito em breve. Primeiro foi a bolsa uterina que rompeu e logo as dores de parto começaram a lhe incomodar. Fiquei totalmente nervoso, troquei meu único filho, até então de pijama, peguei a mulher chorosa e fui até o carro para partirmos ruma a maternidade.



Minha esposa, assustada, com os olhos arregalados, me disse: "Não podemos levar o Júnior para a maternidade!" .Mais confuso ainda, não sabia com quem deixaria meu filho. Olhei por toda a vizinhança e nada, nem sequer um conhecido. Foi quando surgiu meu horrível vizinho saindo de sua casa e, a mesma situação de sempre, as unhas cumpridas, a barba enorme... Não pensei mais, corri até ele, expliquei a situação. Deixei-lhe meu filho e com os nervos em aço, parti em direção ao hospital. Ao nascer meu segundo filho, dessa vez uma menina linda e em meio a celebração, dei por conta que Júnior estava em companhia daquele homem horrível, ao qual nem o nome havia lhe perguntado. Depressa corri para lá, enquanto dirigia, pensava no menino sendo cuidado por aquele homem sem asseio pessoal e ao pensar nas unhas cumpridas, tinha calafrios.



Cheguei em frente a sua casa, bati palmas, sua esposa convidou-me para entrar dando-me parabéns por ser pai novamente. Quando adentrei na casa, mais impressionado fiquei quando notei tudo muito bonito e organizado, meu filho dormia no sofá com um edredom limpo e meu vizinho dedilhava um violão, com suas unhas de sempre, porém limpas, uma roupa mais limpa e alinhada. Pediu-me desculpas, pois tinha uma alergia na pele que lhe impedia de barbear-se. Peguei meu filho, despedi-me agradecendo-lhes, indo para minha casa, mas antes ainda convidaram-me para o jantar, onde apreciamos um delicioso vinho. Soube depois que as roupas velhas ele usava sempre para cuidar de seu jardim.



Com tudo isso, de imediato, descobri em mim mesmo o maior de todos os males: A discriminação!