domingo, 17 de agosto de 2014

O caso das pedras


Os primeiros raios do sol saltavam para dentro do sitio, lutas com a penumbra, a necessidade para desvendar a aurora e, o homem em pé já observa com precisão os acontecimentos naturais que se repetem dia após dia a incensar a vida dos viventes, mas para ele, aquele fenômeno tão corriqueiro era de suma importância absoluta ao seu olhar.
Observava para sua obra, a engenharia milimétrica, o impossível que se estabelecia ali, a aurora que desabrochava, explodindo em milhões de cores, e aquela aquarela chegou-lhe ao rosto, ele cobriu-lhe com a mão, sorriu, viu ao seu redor seus apóstolos ainda embriagados pelo sono da madrugada, encolhidos e indefesos no ninho. Olhou ao céu e fez uma oração suave por cada um deles, invoca-lhes os nomes e solicitava ao pai que lhes olhasse dos altos céus, assim agachou-se e chamou um a um com seu carinho peculiar para iniciarem o dia de alegrias, desassossegos e vicissitudes.
Já todos em pé, rostos, mãos e pés lavados, mas os cabelos em desordem típica do despertar, logo se sentaram a fazer o desjejum, sobras da noite anterior. Ao fim da comilança, ao sinal do mestre, ergueram-se, pondo-se a caminharem, a distância de trezentos metros param, não se media assim naqueles tempos, Jesus olhou a frente um monte, ao alto o verdejante beijava o céu, mas na encosta pedras e pedras lascadas de todos os tamanhos. Com a voz firme lhes ordenou que cada um pegasse uma pedra, metesse no alforje pessoal e retomassem a caminhada. Eram os homens Pedro, Tiago, João, Bartolomeu, Simão o Zelote, André, Judas Iscariotes, Filipe, Tomé, Tiago filho de Alfeu, Tadeu e Mateus.
Todos apanharam as pedras, médias ou grandes, as lançavam no alforje, o mestre repetia: apanhem apenas uma! Pedro observou ao redor, o raciocínio instantâneo lhe ordenou, pegue a menor. Ele obedecendo a seu desejo, apoderou-se da menor pedra, que com facilidade escondia-a com apenas uma das mão envolta nela. Caminharam o dia todo por vilarejos e cidades, e por onde passavam Jesus com sua bondade extrema operava maravilhas, curava e discursava ao mesmo tempo, Pedro altivo, observava os companheiros com dificuldades a levarem suas pedras, mas ele tranquilo sentia o alforje leve e lhe facilitava o andar constante, João e André quem mais penavam, pois se lavavam pedras grandes, a todo momento lançavam as tiras do alforje de um ombro a outro para assim aliviarem o cansaço.
O ocaso chegava oportuno, ao longe se notava que do lado oposto a ele a negritude corria a envolver tudo, o mestre sabendo disso, avistou uma encosta macia de vegetação rasteira que serviria a todos uma cama, olhou para os homens exaustos da jornada árdua, dizendo-lhes: Vamos descansar a noite aqui. A alegria foi geral, todos despencaram seus alforjes ao chão, tão brusco quanto às pedras grandes que levavam, porém Pedro não se deu ao trabalho, sentou-se com o alforje ainda preso ao ombro e se esqueceu dele ali.
O Nazareno disse aos homens: já volto. Foi até uma mata estabelecida próxima dali, e voltou com uma bebida misteriosa, que nenhum deles entendia como a preparou, bem menos ousavam perguntar-lhe como fizera, olhou para os homens sentados a sua frente e ordenou: Que as vossas pedras se transformem em pães! Os homens, afoitos e famintos, abriram seus alforjes e de fato ali havia pão, Bartolomeu segurava o pão, cheirava, apalpava, olhava para os outros e não entendia nada. Pedro assustado apanhou seu pão, pequenino continuava a caber em sua mão, envergonhado não dizia nada, apenas lembrava-se do dia a levá-lo com facilidade, e agora que sua fome era maior que aquele pãozinho? A fé venceu a esperteza.
Bebiam aquela mistura misteriosa e comiam o pão que antes fora pedra, era a melhor refeição que podiam ter provado, a bebida adocicada saborosa e o pão de um paladar insuperável e o pobre Pedro de tanta fome já havia devorado o seu enquanto contemplava todos deliciarem-se com suas farturas. Depois de saciados procuravam dormir, Pedro ainda faminto, viu o mestre a olhar-lhe, levantar-se abrir seu alforje e sacar outro pão grande feito os outros, observou seu talmidim e sorriu-lhe, estendeu a mão a lhe entregar o tesouro, Pedro o apanhou, olhou-lhe a necessitar perdão, agradeceu-lhe e ao comer pensou: é por essas razões que ele é o que é, o maior. Pela manhã recomeçariam outro dia de alegrias, desassossegos e vicissitudes.

Para minha irmã Rita, contadora de histórias, que jamais desiste do oficio e, que tem animado tanta gente.